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Belo Horizonte,01/05/2025

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Entrevista: Gabor Maté propõe que a ‘cura é tornar-se inteiro novamente’

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Entrevista: Gabor Maté propõe que a ‘cura é tornar-se inteiro novamente’
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Nascido na Hungria e radicado no Canadá, Dr. Gabor Maté vestiu jaleco por décadas. Transitou pelos vários setores de um hospital. Viu a dor de perto. Quanto mais testemunhava o sofrimento humano perante as doenças, mais seu inconformismo crescia. Como a medicina convencional pode desprezar os aspectos emocionais e os contextos sociais e familiares dos pacientes?


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Então, decidiu ajudar as pessoas considerando o todo que as constitui, sem separar a mente do corpo. Autor dos livros “O mito do normal: Trauma, saúde e cura em um mundo doente” e “Vício: o reino dos fantasmas famintos”, ambos publicados pela editora Sextante, o psicoterapeuta se especializou no tratamento de traumas e vícios – envolvendo-os com a devida compaixão.


Porque ele enxerga nosso impulso de fugir da dor originada do fato de nos acharmos insuficientes, inadequados, indignos de amor. Desde muito, muito cedo. E também quão prejudicial é reprimirmos nossos verdadeiros sentimentos em troca de aprovação. Segundo ele, se nos desconectamos do nosso ser autêntico, adoecemos.


Mas podemos fazer o caminho inverso: nos reconectar à nossa essência. Reconhecer, validar e expressar o que nos mobiliza por dentro. Numa sociedade que nega as necessidades humanas mais profundas, alerta Maté, precisamos nos cuidar com amorosidade e buscar um caminho de maior consciência.


Como você lerá, a seguir, ele confia na força regeneradora que nos habita.


Qual pode ser o primeiro movimento em direção à cura emocional?


A primeira coisa a perceber é que a dor é, na verdade, um sinal. Pode ser o resultado de algumas coisas ruins que aconteceram com você, mas também é um sinal do seu organismo de que ele está procurando ajuda, de que algo está desequilibrado em sua vida, em como você se relaciona consigo mesmo e com o mundo. O primeiro passo é reconhecer a dor em vez de tentar fugir dela. Ser curioso. Perguntar por quê? Do que se trata? Qual é a mensagem?


Sofremos por não sermos aceitos do jeito que somos?


O maior trauma é não nos aceitarmos por quem somos, o que vem de outras pessoas não nos aceitarem. A origem grega da palavra trauma é ferida. Ela pode ser física ou psicológica. Uma ferida que não cicatrizou. Portanto, trauma não é o que aconteceu com você. Não é que você não foi aceito por quem você é. O trauma é que, como resultado, você não se estima por quem você é. Essa é a ferida. Porque, se eu me aceitasse, não me importaria se você o faz ou não. Isso não me destruiria ou me machucaria. Então, a maior ferida é a desconexão de nós mesmos. Isso é o resultado de algo que aconteceu mais cedo na vida, porque as crianças nascem com a expectativa de serem totalmente amadas como são. Quando o mundo não é capaz de nos legitimar, não nos legitimamos. E passamos o resto de nossas vidas tentando ser aceitáveis ou buscando aliviar a dor.



“Trauma não é o que aconteceu com você. Não é que você não foi aceito por quem você é. O trauma é que, como resultado, você não se aceita por quem você é. Essa é a ferida”


Foto de gabor maté. cura

Com quatro décadas de experiência clínica, Dr. Gabor Maté não separa as dores físicas das emocionais. Pelo contrário: ele integra mente e corpo


O que isso tem a ver com o adoecimento?


Aqui está um ponto que a ciência moderna mostrou e a medicina moderna ignora completamente: a mente e o corpo não podem ser separados, nossas vidas emocionais e nossa existência fisiológica são uma coisa só. Os centros emocionais no cérebro, o sistema imunológico, o sistema nervoso e o sistema hormonal são todos um. Então, o que acontece emocionalmente também acontece fisiologicamente. Porém, para agradar aos outros, muitas vezes você tem que suprimir quem você é. A raiva, por exemplo, é uma defesa que protege seus limites. Mas, quando você reprime sua raiva, também está suprimindo seu sistema imuno- lógico. Pessoas que têm doenças autoimunes, nas quais o sistema imunológico ataca o corpo, estão anulando suas emoções.


De onde vem essa tendência?


Uma das necessidades da criança é ter suas emoções compreendidas, espelhadas e validadas. Mas, em muitas famílias, ela não tem permissão para isso. Então, tem que se reprimir. Do contrário, será punida. Que mensagem a criança recebe? Eu posso ser eu mesma e autêntica e me expressar; ou posso ser aceita pelos meus pais, mas não posso ser ambos. É isso que eu chamo de tensão trágica entre autenticidade, que significa sermos nós mesmos por completo, e apego, que é ser aceito pelos outros. Idealmente, a criança deve ter ambos. Mas não é o que costuma acontecer.


Do que as pessoas desistem com maior frequência?


Elas não podem desistir de seus apegos. Elas desistem de sua autenticidade. E vivem suas vidas assim, completamente inautênticas, porque aprenderam há muito tempo que, se forem autênticas, não serão aceitáveis para outras pessoas. É trágico. E é aí que a dor entra. É aí que a doença entra.


Na prática, o que significa trabalhar num trauma?


Bem, primeiro, reconhecê-lo; segundo, reconhecer que não é sua culpa, mas é sua responsabilidade. Quer dizer, ninguém mais pode assumir a responsabilidade. Pode significar falar com um terapeuta, obter ajuda, ler livros sobre isso, ir a workshops, conectar-se com a natureza para experimentar a totalidade das coisas, praticar a atenção plena por meio de ioga, terapias físicas ou todas essas coisas.


Qual a importância da compaixão no processo de liberação de um trauma?


Somente quando as pessoas estão na presença da compaixão é que elas se permitem encarar a verdade, que é dolorosa. É doloroso reconhecer que as pessoas que te amavam, ao mesmo tempo, te machucavam. Os pais não decidem machucar seus filhos. Eles os amam, mas os machucam de qualquer maneira, porque estão inconscientes, porque eles próprios estão traumatizados, porque estão estressados. É muito doloroso. Não conseguimos suportar a dor. Então, nos desconectamos. E continuamos fugindo disso por toda a vida, de todas as maneiras. Quando há alguém compassivo, que pode te ouvir, validar e dizer, sim, isso realmente dói, eu te ouço, eu te vejo, podemos encarar isso, e desenvolver compaixão por nós mesmos.


Nossas feridas têm cura?


Qualquer organismo, a menos que o destruamos, é capaz de se curar. Assim como as plantas podem se curar, os animais podem se curar. Faz parte da natureza deles. Se o trauma era a desconexão, cura significa se tornar inteiro novamente. Todos nós, enquanto nossas mentes estiverem sãs, somos capazes disso em qualquer idade. É trabalhoso, mas possível. Faz parte da nossa natureza. É assim que é.


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Conteúdo publicado originalmente na edição 276 da Vida Simples.


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