Entrevista: Roman Krznaric propõe soluções com base na história

Apesar de, segundo suas próprias palavras, não ser uma pessoa otimista, o filósofo australiano Roman Krznaric acredita que podemos tornar o mundo um lugar melhor com base na história. E mais: ele escreve livros apontando caminhos para fazermos isso.
Suas reflexões impulsionam ideias com grande potencial de transformação, uma vez que encontram as mentes e os corações dos leitores. Isso acontece, por exemplo, nas obras Carpe diem, Sobre a arte de viver e Como ser um bom ancestral (todos publicados pela editora Zahar).
Seu livro mais recente, História para o amanhã: Inspirações do passado para o futuro da humanidade (Difel), nos estimula a pensar sobre o que podemos aprender com os últimos mil anos para enfrentar dez desafios globais.
A fim de solidificar sua argumentação, cita movimentos sociais e de organização política pouco conhecidos, porém bemsucedidos. No final de 2024, o fundador do Museu da Empatia – espaço de experiências que nos ajuda a olhar o mundo através dos olhos de outras pessoas – esteve pela segunda vez em São Paulo para uma série de conferências.
Vida Simples não poderia deixá-lo escapar. O sumo do nosso bate-papo, você degusta a seguir.
Três dos seus últimos livros questionam o que você chama de “a tirania do agora”. O que ela significa e qual sua relação com a História?
Esses livros são parte de uma “trilogia solta”, digamos assim, sobre um assunto que eu chamo de “inteligência temporal”, que é a capacidade humana de pensar em múltiplos horizontes do tempo – curto e longo prazos, para frente e para trás, cíclico e linear. Me parece que essa é uma habilidade importante a ser desenvolvida por nós.
De onde vem a indiferença que muitos têm em relação ao próximo e ao planeta?
Penso que seja, em parte, consequência do nosso processo de evolução ao longo da história. Acho que é como se os seres humanos tivessem um “cérebro de marshmallow” e um “cérebro de bolota”. O “cérebro de bolota” é a parte da nossa neuroanatomia responsável pelo pensamento estratégico, de longo prazo e pelo planejamento. O “cérebro de marshmallow”, por sua vez, está focado na satisfação imediata e na gratificação instantânea. E há uma luta constante entre os dois. Nós aproveitamos o agora ou economizamos para o futuro? Trocamos nosso iPhone pelo modelo mais novo ou plantamos uma semente para a posteridade? Para sermos melhores ancestrais, precisamos acionar nosso “cérebro de bolota”.
“Acredito que um dos caminhos fundamentais que nos leva a mudar é por meio da mudança das narrativas que moldaram quem somos e como pensamos sobre nós mesmos”
Como fazer a maior parte da população entender que pequenas ações importam?

FOTO: KATE RAWORTH
Acredito que um dos caminhos fundamentais que nos leva a mudar é por meio da mudança das narrativas que moldaram quem somos e como pensamos sobre nós mesmos. Em Como ser um bom ancestral, tento encorajar as pessoas a adotarem um senso de responsabilidade intergeracional, para assim não fazerem coisas como jogar lixo em qualquer lugar ou poluir o ar e os oceanos. De certa forma, nossos hábitos vêm das narrativas, metáforas e histórias, então podemos mudar esses hábitos, desde que possamos mudar a maneira de interpretar o nosso passado – e, o principal, desde que possamos aprender com ele.
Em História para o amanhã, você traz casos pouco conhecidos de organizações políticas. Pode falar mais a respeito delas?
A História é repleta de fascinantes formas alternativas de democracia que foram esquecidas. Uma delas é conhecida como “sorteio”, seleção de representantes públicos por meio de um sistema aleatório, que é o que acontecia na Grécia Antiga e é como muitos países continuam formando júris nos dias atuais.
Como isso tem funcionado no dia a dia das pessoas?
Agora mesmo, na Europa, está ganhando corpo um movimento para apoiar o que nós conhecemos como “assembleias civis”, nas quais cidadãos são selecionados aleatoriamente e reunidos para discutir assuntos-chave, como a crise climática ou o envelhecimento populacional. É importante apoiarmos movimentos como esse – e fazer parte deles, quando possível.
Segundo o estudioso em história Walter Scheidel, uma pandemia pode ter como efeito reduções da desigualdade social. Por que isso não ocorreu após a covid 19?
Disrupções, às vezes, criam uma maior igualdade; outras vezes, não. Acredito que parte do problema, nesse caso, é que o neoliberalismo como ideologia econômica está tão entranhado na cultura contemporânea que nem mesmo uma pandemia fez uma diferença fundamental no seu domínio. O que sabemos sobre o neoliberalismo é que esse tipo de sistema econômico promove desigualdades exorbitantes. Nos últimos 25 anos, 40% do Produto Interno Bruto mundial foi concentrado nas mãos de apenas 1% da população. É vital que tentemos desmontar o paradigma neoliberal.
O que você diria a alguém que deseja se unir a um movimento social?
Para se inspirar na História! Fazer parte de um movimento social é fazer parte de uma longa tradição que remonta aos povos escravizados que se levantaram contra a opressão no século 19. Também às mulheres que lutaram pelo direito de votar, aos ativistas pelos direitos civis e àqueles que lutaram contra as várias formas de autoritarismo, como no Brasil. A História nos mostra que movimentos disruptivos podem mudar o sistema.
Qual a sua motivação para continuar colaborando com a construção de um mundo mais justo e equilibrado?
Olha, naturalmente, eu não sou uma pessoa otimista. Sinto que, enquanto civilização, estamos no caminho absolutamente errado em relação a como lidar com a crise ecológica e os riscos tecnológicos, como a inteligência artificial. Entretanto, o que me motiva é a esperança que encontro na História. Mais de uma vez, as sociedades humanas se rebelaram, contra todas as probabilidades, para superar crises e combater injustiças. E conseguiram. Além disso, lembro de um lindo e poderoso provérbio do povo Maori, da Nova Zelândia:
“Eu ando de costas para o futuro com os olhos fixos no passado”.
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Conteúdo publicado originalmente na edição 275 da Vida Simples.
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